Primeira leitura de 2019!
Primeiro dia do ano. Uma leve ressaca. Barriga cheia com aquele almoço farto composto pelas sobras da comida das festividades de ano novo. Armo a rede e estendo a mão para a pilha que aguarda leitura. A primeira, por acaso, era Superdeus. Encerrado o primeiro capítulo, parei, tomei um pouco de água e peguei da primeira página novamente. Valia a pena!

Bom, antes de mais nada, vamos nos situar dentro da obra do roteirista Warren Ellis. Superdeus é a terceira mini de uma trilogia publicada entre 2007 e 2009 pela editora Avatar Press, sendo as outras as recomendadíssimas Verão Negro e Herói Nenhum, ambas também disponíveis em encadernados nacionais caprichados lançados pela Mythos. Nesta trilogia, Ellis se dedica a – adivinhem! – desconstruir o mito dos super-heróis, dando a cada mini um foco diferente na forma como se poderia encarar tais criaturas, se as mesmas de fato existissem no chamado mundo real.
“No mundo de SuperDEUS, super-humanos são a última expressão do complexo de messias. Cientistas conseguem criar messias para descer dos céus e salvar o mundo. Mas ninguém pensou em como eles salvariam o mundo – ou mesmo se iriam querer salvar o mundo.” – Warren Ellis –
Superdeus talvez seja a que nos traz a visão mais desesperançada de todas. Segundo o mundo aqui construído, a corrida armamentista pós-Segunda Guerra foi um pouco diferente da que conhecemos: todas as potências – e alguns países emergentes (pra dizer o mínimo) – buscaram a chamada “vantagem tática” apostando em ousadas e diferentes formas de chegar ao super-humano. Seria como se várias nações da terra estivessem, de alguma forma, buscando construir o seu Dr. Manhattan.

O grande “x” da questão é que, ainda que todos os projetos sejam desenvolvidos em ambientes de ciência avançada e alta tecnologia, o aspecto religioso termina tendo influência decisiva desde a concepção inicial e termina por influenciar as criaturas surgidas.
“No ambiente inóspito ao qual você se refere como planeta habitável, exige-se comportamentos coletivos para sobreviver o suficiente para a procriação. Já que são macacos burros, vocês não tem afinidade natural para o altruísmo coletivo. Por isso, vocês criaram um bombeador genético que leva compostos químicos prazerosos ao cérebro de macaco. Que é ativado por adoração e pavor de antropomorfismo do seu meio-ambiente. Mães-Terra. Deuses celestes. Arbustos que pegam fogo. Pedras de aspecto interessante. Um galho de forma estranha. Vocês não exigem muito.” – Morrigan Lugus, respondendo se os deuses criaram a humanidade ou se foi o contrário –
E é o despertar de uma destas experiências que termina por precipitar as coisas: Krishna, o super-homem indiano, inicia a sua missão de salvar seu país exterminando uma parte da população local, dando assim uma solução imediata para o problema do excesso de habitantes. Alarmado com a situação, o resto do mundo assiste impassível um ataque nuclear em massa do Paquistão à poderosa criatura, que simplesmente volta as ogivas contra quem as enviou, destruindo o país agressor. Isso faz com que as nações – e, em um determinado caso, a “iniciativa privada” – que possuem super-humanos desenvolvidos ou em desenvolvimento resolvam acioná-los – ou pelo menos tentem acelerar o processo, com algumas consequências catastróficas em alguns casos – para que enfrentem o indiano e “salvem o mundo”. E é aí que a porca torce o rabo…

Como dito, os projetos estavam imbuídos de forte influência messiânica. Mesmo humanos em sua origem, os seres que surgem destas experiências variadas encontram-se de tal forma acima – ou, pelo menos, à parte – dos meros mortais que parecem pouco dispostas a servir a humanidade, salvando-a de si mesma.

Ellis usa um cientista britânico, com amplo acesso à informações, para narrar os acontecimentos, como se este estivesse conversando com um colega norte-americano que estaria escondido em algum bunker subterrâneo no seu país. Uma velha sacada, mas que sempre dá certo: a história contada de um determinado ponto de vista ganha com observações pessoais do narrador, um homem que vê o mundo à beira do precipício e carrega um grande peso nos próprios ombros.

Eu sou fã do roteirista britânico, que costuma entregar um trabalho consistente e abordar questões um tanto quanto “difíceis” de forma interessante, como fez na sua curta passagem por Hellblazer, o adorado título de John Constantine no selo Vertigo, e, claro, naquela que considero sua obra máxima: Transmetropolitan. Warren Ellis é pra mim o escritor que eu pensei que um dia Grant Morrison seria, mas este se perdeu no próprio ego, optando por fazer roteiros com decupagem confusa para esconder a aridez de boas ideias, da mesma forma que o seu uso de termos complicados procura esconder a pobreza dos seus diálogos.

Os desenhos de Garrie Gastonny (com nanquim de Rhoald Marcellius e cores de Digikore Studios) formam um trabalho correto, competente, mas que sofre com a comparação com o feito por Juan Jose Ryp nas duas minis anteriores. Cheguei a lamentar mesmo que o espanhol – que eu vejo como se Richard Corben se unisse a Geof Darrow, guardadas as devidas proporções – não tenha trazido sua arte detalhista para o desfecho da trilogia…

Ler Superdeus foi gratificante para mim porque me fez admirar ainda mais o Superman! Sim, o bom e velho kryptoniano que sobreviveu ao fim do seu planeta fugindo para o nosso, ganhando super-poderes e, inacreditavelmente, optando por servir em vez de ser servido. Minha opinião sobre o Homem de Aço – o que considero autêntico, que vi nos filmes de Richard Donner e nas hqs antes da DC perder o rumo, optando por 52 direções diferentes… todas erradas – pode ser conferido aqui.
